terça-feira, 10 de julho de 2007

O papel do Arquiteto

“A casa, por exemplo, é o meio de comunicação entre o homem, seu sonho e seu passado. Sua geometria não é feita de formas e dimensões físicas: é uma geometria de ecos da memória e da imaginação, ressoando nos cantos, nos móveis, no telhado, nos espelhos, nos retratos, no seu "bater de portas", no seu "vento encanado". Centro de primitividade e gerador de sonhos, a casa tem perdido seu lugar e seu significado simbólico. Já não a entendemos como a expansão do ser do habitante, mas como a errância de formas e volumes, tensões e profusões que o arquiteto sonha sobre a prancheta. Mas quem deve sonhar é quem habita e não quem projeta. Projetar uma casa é projetar o abrigo do sonhador, é fornecer a eles as portas e as janelas através dos quais ele penetra e habita - mais do que cômodos e espaços físicos - a sua história, as suas esperanças, a sua vida. É, talvez, chegada a hora de abandonar a noção de fazer casas no estilo moderno, ou "de fazenda", ou neocolonial, ou meditarranée, ou deste ou daquele arquiteto, ou o que quer que seja. Só existe um estilo: o habitus do morador e é este o que nós, arquitetos, devemos encontrar. Mais que espaço é preciso projetar o tempo e o devaneio do habitante e dar a ele a sua história de vida ou a que se pretende viver. E é essa história do "morador", o "historial do seu ser", como define Heidegger, que muitas vezes permanece sufocada diante dos estilos dos arquitetos e dos decoradores, diante das revistas especializadas ou diante do luxo, muitas vezes desconfortável, da casa do vizinho. Ao habitante é preciso encontrar-lhe a identidade, dar-lhe um lugar no mundo, uma "habitação" e uma presença na história. Eis o que significa ter nas mãos o diploma de arquitetura: fazer de nossa arte um pequeno poema através do qual eu devolvo a cada um a sua própria história e a história da cultura à qual pertence. Por essa ligação com o pragmático do morar e o poético do habitar, o arquiteto tem um papel eminente na produção artística e cultural contemporânea. Mais que conhecimentos técnicos e estéticos, ele necessita de um embasamento histórico, uma perspectiva temporal e humanística que as escolas de arquitetura brasileiras, vinculadas à tradição das academias de belas-artes ou dos institutos de ciências exatas, não costumam oferecer. Sem essa perspectiva humanística a arquitetura se converte em serviçal da moda e das modernidades efêmeras dos carros, das revistas importadas, dos celulares e da moda dos designers. Arquitetura não é design: é poema feito de matéria e luz ávidas de imortalidade e transcendência. Quanto perdem filósofos e arquitetos por lerem tão pouca poesia, diria Gaston Bachelard, autor de A poética do espaço, talvez o primeiro livro a ser visitado por quem pretenda diplomar-se no combate da arquitetura.”

Carlos Antônio Leite Brandão, em seu texto “A arquitetura e seu combate”.

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